quarta-feira, 29 de junho de 2011

Afinal, não sou o único

“ – A minha cabeça não descansa, tenho uma enorme incapacidade para pensar direito; e, depois, só estou bem onde não estou. Sinto-me culpado de todos os males do mundo, e tenho medos inexplicáveis. Acho-me um autêntico imbecil, um verdadeiro pacóvio sem vontade para nada; (…) às vezes a minha vontade era ficar dias inteiros metido na cama com as persianas corridas como se fosse sempre noite.
  Muitas vezes tenho sido assaltado pela ideia de que o meu pai nunca me suportou. Desde que me lembro, passou a vida a dar-me o exemplo dos meus irmãos como sendo do melhor que há e dizendo-me que eu não presto, que sou um maluco irresponsável e hei-de acabar muito mal, sem eira nem beira. Eu sempre achei que era demasiadamente ríspido comigo. Repetia constantemente que tudo o que eu fazia eram só asneirolas, culpando-me frequentemente de todos os males do mundo (…). De facto, com ele, nunca foi possível estabelecer um diálogo por menos importante que fosse. (…) Nunca consegui compreender porque era assim, tanto mais que bem lá no fundo era uma excelente pessoa, que nunca regateara ajuda quando alguém dela precisasse. Nunca me deu oportunidade ou confiança para conversas, para me ouvir ou lhe fazer ver fosse o que quer que fosse, assumindo categoricamente uma obsessiva surdez voluntária. (…) Respondia sempre com duas pedras na mão, …, porque eu era um patetóide, que nada sabia de nada, ou evasivamente, mandando-me calar a bocarra com o pretexto de ser um garotão irresponsável, (…) finalizando sempre por me atirar à cara os sacrifícios que toda a vida fizera para me educar e aos meus irmãos, (esses sim, que só lhe davam alegrias) e que ainda um dia me poria a trabalhar para saber o pão que o diabo amassa.”

Fernando Chiotte, in O Fechar do Círculo

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